Zito & Bano iha Embaixada laran USA Jakarta 1994. Foto AP |
Memória da ocupação de Embaixada US em Jakarta 1994
I. Levantei muito cedo, eram 6 de manha do dia 11 de Novembro de 1994. Eu era estudante em Malang. Tinha 14.000 no bolso. Fui ao Wartel (casa dos telefones), telefonar a família em Timor e informar-lhes de que ia naquele dia a Jakarta para um jogo amizade de futebol com os meus conterrâneos.
Trazia a minha pequena moçila com escova e pasta de dentes, um par de meias e uma camisola. Entreguei a chave de quarto ao meu colega e diz-lhe que, "se depois de 5 dias eu não voltar devo estar preso algures em Jakarta". Fui apanhar microlet "G" em direcção a estação Arjosari. Lá econtrei outros colegas. Apanhamos autocarro em direcção a Joyoboyo, em Surabaya. De lá seguimos para para a estação de comboio Gubeng (Não estou certo do nome das duas estações. Na estação reparei que os estudantes provenientes de Malang eram mais de 25, de Bali menos de 10 assim com os de Surabaya e de Jember. No meio de percurso juntaram mais os de Yogyakarta, Bandung, Solo e Jakarta.
Era 1 da tarde do dia 11 quando o comboio partia em Direcção a Jakarta. Éramos mais de 50 estudantes. Apanhamos a classe económica. O comboio estava cheíssimo e algúns de nós ficavam em pé durante a viagem.
Os responsáveis da acção pediam-nos a nós para que durante a viagem não falássemos em Tetum e que se alguem nos perguntasse, dizia apenas que íamos fazer um jogo amigável em Jakarta. Mas com o cansaço quebramos a regra... contávamos anedotas, histórias e rimos muito daquela viagem.
Reparamos que no comboio havia militares armados, havia bufos...
II. Dia 12 de Novembro de 1994
Os por menores engraçados de como iludimos a segurança.
Os responsáveis da acção tinham lançado boatos de que os estudantes timorenses iriam fazer manifestação no dia 15 de Novembro em Bogor. O local escolhido para a abertura da II Cimeira de APEC na Indonésia. Não deram conta de que sábado, 12 Novembro era a comemoração do 3º aniversário do trágico acontecimento em Stª. Cruz.
Antes de chegar a Yogyakarta alguns estudantes tinham ideia de desistir do percurso e quando o comboio chegar a cidade de Bandung sairiam. No entanto com calor e cansaço da viagem, adormeceram. Quando abriram os olhos o comboio já estava a entrar na cidade de Jakarta. Era dia 12 de Novembro... Quando o bomboio seguia o seu percurso para a estação de Pasar Senen onde nós saíriamos, pus-me a pensar, exactamente este dia três anos antes assistia os meus colegas tombados no cimetério de Stª Cruz em nome de liberdade e a independência. Como recordação daquele dia trágica para os meus colegas levavam comigo as marcas de estilaços. Com a mesma fé e determinação não vamos deixar que este dia morra e que a acção que estava para acontecer seja levada em sucesso.
O comboio parou na Estação Pasar Senen. Eram 7 e pouco de manha de sábado do dia 12 de Novembro. Saíamos de comboio dois a dois em diferentes caruagens. De lá seguimos para a estação de camioneta que fica noutro lado da rua. Tínhamos que apanhar o autocarro nº. 96 (Se não estou em erro) com percurso pela Monas (Monumento Nacional) onde situa a embaixada norte americana.
Ao sair do comboio alguns colegas foram presos. Gerou certo medo e ansiedade e a preocupação era como saía de lá. E muitos de nós nem se quer conheciam a cidade de Jakarta. A preocupação era chegar a estação de autocarro. Um grupo pequeno conseguiram apanhar o autocarro com passagem por Monas e saímos em frente da residência do vice-presidente, que era Try Sutrisno. Já estavamos desanimados...Caminhamos de um lado para outro no jardim de Monas a procura de solução. Eu quis desistir e não tinha dinheiro suficiente para a viagem de regresso. Para além disso o clima de segurança não estava favorável.
Estavamos sentados ao pé de Monas, mais de 20 pessoas, quando companheiro Saky pediu-nos a nós para apanhar taxi. Apanhámos 5 ou 6 taxis com destino a embaixada que fica apenas 800 metros. Damos volta a embaixada uma vez para apanhar outros colegas que estavam perdidos na quarteirão atrás da embaixada. Com mais dois taxis seguimos em fila de 6 a 7 taxis para embaixada. Mal taxi parou gritamos as palavras de ordens e alguns começaram saltar o grade de embaixada. Em questão segundos já estávamos dentro da embaixada. Ocupamos um círculo muito pequeno na garagem da embaixada. Depois de passar a fase confusão... contamos e erámos apenas 28. Uma hora depois, com todo perimetro de segurança montada um colega nosso conseguiu saltar a grade com ajuda dos jornalistas. Passamos a ser 29.
A primeira fase de operação estava feita.
III. Dia 12 Novembro
Na embaixada
Eram entre 9 e 10 de manhã... estavamos todos cercados num pequeno círculo na garagem da Embaixada. O calor era imenso. Pedíamos água e proibiram-nos de beber água. Pedímos autoriazção para beber água da torneira na garagem e não tivemos autorização.
Forças especiais da embaixada estavam com armas apontadas para nós junto ao murro que separa a garagem e o edifício principal. A polícia anti-motim da Indonésia tentavam entrar e um ou dois responsáveis destas policiais conseguiram entrar e gritámos para os jornalistas, "as forças indonésias estavam a invadir o território americano". Eles conseguiram tirar algum pamfleto da manifestação e no entanto um alto funcionário da embaixada conseguiu fazer com que os militares recuassem para fora da embaixada.
Passado algum tempo chegou alguém da embaixaida para falar connosco. Falou com o nosso porta-voz, Domingos Sarmento Alves. Ele esplicou as razões da nossa acção. Queriam que abandonássemos a embaixada já... mas estavamos aí prontos para morrer e que a nossa exigência era libertação imediata de Xanana Gusmão e inclusão na agenda de APEC o problema do direito à auto-determinação do povo timorense.
Antes de dar primeira conferência imprensa, todos juntos e de mãos dadas rezar terço em homenagem aos companheiros tombados 3 anos antes em Stª Cruz e a todos os que perderam a vida desde o início da ocupação.
Era uma da tarde quando se deu a primeira conferência de imprensa.
Continuávamos proíbidos de sair do círculo e beber água.
Nota: Conto esta memória em homenagem aos companheiros tombados em Stª. Cruz e a todos que morreram em nome da causa maior de libertação durante 24 anos de ocupação sem ninguem saber.
IV. 12 de Novembro
Antes de iniciar a conferência de imprensa, um dos colegas que trazia rádio informou-nos de que o Secretário Estado Warren Christopher havia declarado na Filipina que américa comprendia a nossa acção e que eles não nos expulsariam pela força da embaixada. Esta informação foi recebida com grande contentamento. E naquele momento percebemos que a nossa acção ia durar e acontece o que acontecesse não íamos abandonar tão cedo a embaixada. Estavamos determinados a levar acção até as últimas consequências.
Pois, trazíamos rádio para podermos acompanhar a par e passo as notícias sobre acção estávamos a fazer e suas consequências através de BBC, ABC, Voz da América etc. Ouvir notícias através destes rádios era o nosso hábito em Timor e na Indonésia.
Conferência de imprensa
Depois de rezar o terço, reunião e as informações partilhadas começou a conferência de imprensa. Era feita em Inglês, Indonésia e em Português essencialmente para a agência Lusa.
Domingos Sarmento Alves, a nossa porta-voz, era incansável. Respondia todas as perguntas que tinham sido colocadas pelas jornalistas.
Exigimos a libertação incondicional de Xanana Gusmão e sua participação como líder da resistência nas negociações sobre a resolução do problema de Timor. Exigimos para que américa, através do seu presidente, Bill Clinton, levantasse o problema de timor durante a II Cimeira de APEC da qual indonésia era anfitrião. E não iríamos deixar cair em esquecimento o massacre de Stª. Cruz que tinha sido perpetrado pelos generais indonésios 3 anos antes.
Continuávamos sem puder beber água. Eram duas da tarde e calor era imenso. E uma ou um dos jornalistas conseguiram atirar 3 garrafas de água para nós. Depois das 15 horas tivemos autorização para poder beber água da torneira na garagem. Torneira que a embaixada utilizava para regar as plantas no jordim e lavar os carros da embaixada.
Eram 7 e pouco da noite quando chegou uma delegação do Estado Indonésio. Composta por Dr. Francisco Lopes da Cruz e outros que já não me lembro de quem eram. E se não estou em erro fazia também parte desta delegação o actual presidente da indonésia.
O encontro fui infrutífero para eles. Pois, mal a delegação chegou... perguntávamos ao Sr. Chico Lopes... se ele vinha como timorense falaríamos com ele, mas se ele viesse como representante do estado indonésio estava a perder o seu tempo alí. Foram-se embora porque eles perceberam que não iam conseguir nada alí.
Alguns jornalistas conseguiram mandar dois embrulhos de "nasi goreng" para nós. Éramos 29 e não chegava para toda a gente. Foi entregue aos 2 feridos (DomingosTilman e Zito Soares) que depois partilhou com os outros. Foi somente para enganar o estômago.
A primeira noite caiu e não conseguíamos dormir por causa do calor e mosquitos. Mas o objectivo de estragar a festa ao Soeharto foi cumprido com sucesso.
V. Apesar das dificuldades acima referidas, calor trópico da noite e mosquitos que não deixaram dormir, não conseguimos resistir. Cada um encontrava o seu lugar na garagem, utilizando as moçilas que traziam como almofada e no meio da brincadeira, anedotas e risos sob espreitadelas de segurança de Soeharto e batalhão de jornalistas estrangeiras e nacionais noutro lado de grade conseguimos adormecerer.
Quando abrimos os olhos já era de dia. Era domingo, dia 13 de Novembro. Não podiamos tomar banho. Para fazer as necessidades, embaixada providenciou-nos uma lata (um latão)no canto mais fundo da embaixada para o efeito. Lavávamos apenas os dentes e a cara e depois cada um volta para o seu lugar.
Era bom que tomávamos um pequeno almoço ou um café quente, mas tudo isso não tinham importância, pelo menos, para aquele momento. Continuávamos sem receber nenhuma refeição ou algo parecida da embaixada. Mas não dávamos importância a isso. Houve até um jornalista que no perguntou, "porque é que não pediamos alguma coisa a embaixada para comer?". A resposta foi de que, "não estavamos aí por causa de comida, estavamos aí por uma causa maior que é a nossa libertação. Se era por causa de comida, estávamos a perder o nosso tempo na embaixada".
Enquanto isso, a cidade de Jakarta estava tentar voltar ao seu rítmo habitual mas, com algumas restrições, principalmente junto á embaixada americana. Parecia-me que a cidade, pelo menos demonstrava através do rosto dos militares indonésios noutro lado de grade, estava a tentar gerir o falhanço de segurança que permitiu a nossa acção na embaixada americana. Pelo menos, uma parte importante do regime de Soeharto estava a ser desmascarado e ainda mais no seu próprio capital político.
A II Cimeria de APEC que estava a preste começar no dia seguinte, a questão de Timor-Leste passou a dominar agenda pelo menos nos círculos de imprensa.
Eram 8 ou um pouco mais quando soubemos notícias através de rádios intercionais (acima referidas) de que os nossos companheiros jovens em Timor tinham feito protesto com o mesmo fim, depois de missa de domingo na residência episcopal em Lecidere. Recebemos notícias com determinação e fé de que a nossa acção iria prolongar. E estavamos dispostos e determinados para este fim. Foi maior onde de solidariedade que recebemos dos nossos companheiros de luta.
VI. Deixo aqui a petição dirigido ao Presidente Norte Americano, Bill Clinton que trizíamos para a manifestação na Embaixada Americana em Jakarta.
12 November 1994
The Honourable President of the United States of America,
Mr. Bill Clinton
On behalf of the East Timores student and worker communities, we come to you today, Mr. President, to present the following petition.
It is our wish, on their occasion of the Third Anniversary of the massacre of 12 November 1991, to remind the world that demands for a serious and independent investigation of the Santa Cruz slayings have gone unheeded purely and simply as a result of the West's economic relations with Jakarta and that a systematic violation of human rights in the form of the repression of student, persecution, intimidation, detention and torture continue in East Timor to this day.
Given that we are rapidly approaching the year 2000, set as the time limit for the total eradication of all forms of colonialism and oppression of Peoples;
Given that under your Administration, the United States has proven once again to the world its moral responsibility in relation to the defence of the universal principles of freedom, justice and peace with the successes it has achieved in the difficult Middle East peace process, in the prevention of a second invasion of Kuwait by Iraq and your government's support of the restoration of democracy in Haiti.
We wish to remind you, Mr. President, of the 19 year old conflict in East Timor.
It is our hope that, in an effort to reddres the error of President Ford who, during his stay in Indonesia just days prior to the fateful day of 7 December 1975, gave the green light to Indonesia's Military invasion and occupation of East Timor, you will be prepared to make use of the great moral stature achieved by the United States of America through its condemnation of the violation of the fundamental rights of human beings and peoples to make the following demands of President Suharto:
1. The release of East Timorese Resistance Leader, Kay Rala Xanana Gusmão, and of all East Timorese political prisoners.
2. That the president of Indonesia, who has stated his preparedness to engage in dialogue with anti-integration elements, agree to the participation in such talks of the true representatives of the people of East Timor, including members of the four components of the Resistance the East Timorese Church, CNRM, UDT and Fretilin.
3. That Jakarta grant access to an independent and impartial mission with the aim of conducting a serious investigation into the Santa Cruz massacre.
The Jakarta regime fails to acknowledge the universal nature of Human Rights, arguing that cultural considerations and those of a socio-economic nature must be taken into account. It is this understanding of Human Rights which the regime relies upon to justify its violation of the same in Indonesia.
We therefore appeal to you, Mr. President, to remind President Suharto,
1. of the existence of elderly and incapacitated Indonesian political prisoners who should, as a matter or urgency, be granted amnesty,
2. of the existence of Indonesian political prisoners who after 30 years in jail continue to face the death penalty
Finally, we appeal to you to exert pressure upon Jakarta,
1. to recognise the right of Indonesian workers to organise, to assemble and to freedom of expression.
2. to free union leaders Muchtar Pakpahan and Amosi whose “crimes” are their defence of the right of Indonesian workers.
We firmly believe that the ethical concerns which have guided America’s foreign policy in relation to other countries extend also to Indonesia, and thus we deposit great hope in the decisive influence which the United States of America is able to bring to bear in realizing a solution to the East Timor case which constitutes a flagrant violation of universal principles of International Law.
Jakarta, 12 November 1994
With the highest consideration,
On behalf of East Timorese Student,
On behalf of East Timorese Workers.
VII. 13 de Novembro
Houve negociações entre embaixada americana e embaixada de Santa Sé para nos tirarem de lá ou tentativas de nos conseguirem transferir. Pareceu-me que a América não quis manchar o bom relacionamento com Jakarta com a nossa acção antes da chegada do seu presidente e pretendeu, por isso, encontrar uma solução envolvendo outras embaixadas. Regeitamos simplesmente este facto.
Com levantamento dos nossos colegas em Timor deram-nos um grande ânimo.
Demos entender, na conferência de imprensa que seguiu, que a nossa intenção era entregar a petição pessoalmente ao Presidente Bill Clinton ou ao seu secretário estado Warren Christopher.
A possibilidade do nosso desejo de se encontrar pessoalmente com presidente e ou com o seu secretário de estado estava fora de questão. Mas o embaixador Robert L. Barry estava disponível para transportar a nossa petição ao presidente.
Se não estou em erro, não entregamos logo a petição naquele dia. Só entregamos ao embaixador uns dias depois.
A nossa rotina era reunir-se antes de falar com imprensa, contar anedotas para ocupar o tempo e sentar a espera que haja alguma novidade antes de voltar reunir para tomar medidas a seguir.
Por Zito Soares
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